OXIGENOTERAPIA HIPERBÁRICA

  A oxigenoterapia hiperbárica (OHB) é a modalidade de tratamento que utiliza a administração do O2 em pressões superiores a pressão atmosférica. Possui múltiplas indicações no âmbito da medicina de urgência, na reanimação e no tratamento de infeções, síndromes neurológicas, ortopedia e cirurgia geral. É freqüentemente utilizada em razão de sua eficácia reconhecida nas intoxicações por CO, infeções produzidas por germes anaeróbios, nas embolias gasosas,úlceras por insuficiência vascular crônica, osteomielite refratária crônica e nos acidentes de descompressão.

   Atualmente é coadjuvante nas encefalopatias pos-anóxicas, nas queimaduras extensas, no esmagamento de membros, no traumatismo medular, na esclerose múltipla etc...Administrada segundo protocolos rigorosos e bem codificados, quase sempre em associação com outros meios terapêuticos indicados para afecção causal (antibioticoterapia específica, procedimentos cirúrgicos, curativos, fisioterapia, fonoaudiologia, etc...). As instalações atuais garantem a sua utilização qualquer que seja a gravidade do paciente.

Histórico

   Utilizada por suas virtudes terapêuticas há muitos anos (Henshaw,1662; Junod, 1834; TABAVE e PRAVAS - 1837), a OHB conheceu fases diversas, oscilando entre a panacéia universal (banhos de ar comprimido) e a prática charlatanesca. A partir das bases físicas demonstradas por Paul Bert em 1878 e fisiológicas, Haldane em 1908, a medicina hiperbárica, caída no esquecimento, conheceu o ressurgimento através de Boerema (Amsterdam), que  a reintroduziu no tratamento da gangrena gasosa em 1956.

   O desenvolvimento a partir de então foi essencialmente devido aos serviços hospitalares de reanimação e urgência, que progressivamente foram equipados com câmaras hiperbáricas. M. Goulon em Garches, A. Larcam em Nancy, Ph. Chresser em Marseille figuram entre os pioneiros.

Bases Fisiológicas da OHB

   Os efeitos da administração do oxigênio hiperbárico podem ser divididos em dois grupos: -Aqueles ligados a aplicação (Elevação barométrica) -Aqueles próprios da administração de pO2 superior à pressão atmosférica.

Efeitos da Elevação Barométrica

   Em razão da Lei de Boyle e Mariotte (a temperatura constante,o volume de gás é inversamente proporcional à pressão), o aumento da pressão reduzirá os embolos gasosos.

   Essa propriedade física é utilizada para diminuir o volume das bolhas gasosas patogênicas, nas embolias gasosas e nos acidentes de descompressão.

Efeito da Elevação da PO2

   O O2 é transportado pelo sangue de duas formas: combinado a hemoglobina (HBO2) ou dissolvido no plasma. No ar ambiente, a oxigenação tissular é essencialmente assegurada pelo O2 ligado à hemoglobina, que já está saturada cerca de 97%.

   Com o aumento da pressão e introdução de O2 à 100% e 3 ATA, a quantidade de O2 dissolvido no plasma (6,8 ml por 100 ml) é suficiente para cobrir as necessidades e assegurar o transporte de O2, seja por uma falta absoluta de hemacias (anemia) ou por alteração funcional da hemoglobina (intoxicação por monoxido de carbono), assim como para corrigir um eventual defeito de perfusao tissular (insuficiência vascular aguda ou crônica).

Outros Efeitos da OHB

   O pO2 possui outras consequências exploradas na terapêutica hiperbárica, a saber:

Efeito Bactericida

   O conceito clássico de aeróbio/anaeróbio deve ser revisto considerando-se que numerosas bactérias ditas anaeróbias mostram uma certa tolerância ao O2 (1). Por outro lado, o O2 não é um agente seletivo. As bactérias aeróbias mostram por vezes uma resposta bifásica ao aumento de pressão parcial do O2.

   Assim, o aumento do pO2 entre 0.6 e 1.3 ATA, aplicado às culturas de (CORYNAE BACTERIUM DIPHTERIAE), escherichia coli, pseudomonaes aeruginosa e staphilococus aureus, aumenta a velocidade de reprodução das bactérias. A partir de 1.3 ATA, a multiplicação é inibida (2, 3, 4, 5, 6, 7).

Efeito Sobre a Capacidade Fagocitária dos Polinucleares(8)

   Os sistemas antimicrobianos leucocitários podem ser divididos em sistemas oxigeno-independentes ( produção de ácidos, lizosimas, lactoferrinas e proteínas intragranulares catiônicas) e sistemas oxigeno-dependentes (peroxidase), dependentes ou independentes(9).

    Os processos oxigeno-pendentes correspondem à 60% do poder fagocitário dos polinucleares. A importância deste mecanismo é ilustrada na clínica pela granulomatose crônica, doença caracterizada por infeções de repetição, nas quais os leucócitos mostram uma atividade oxidativa muito diminuída (10, 11).

   A partir dessas constatações, Hohn demonstrou que nas condições de hipóxia, os leucócitos normais tinham o poder fagocitário muito diminuído, semelhante aquele encontrado nos pacientes portadores de granulomatose crônica e que a pressão do O2 seria a única maneira capaz de normalizar a capacidade fagocitária(12).

Efeito Vaso Constritor

   Esse efeito é utilizado no tratamento dos edemas cerebral e medular.A circulação sangüínea do SNC é a sede de uma autoregulação que a torna relativamente independente do débito sanguíneo e, por outro lado, essencialmente dependente das pressões parciais de CO2 e de O2. O débito sanguíneo cerebral diminui para 13% a pressão de 1 ATA, e para 30% a de 2 ATA (B).

   Nas pressões superiores esta redução atinge um platô ligado a não eliminação do CO2 pelo paciente(14). Esta vasoconstricao hiperóxica, confirmada angiograficamente(15), é utilizada no tratamento do edema cerebral e medular, associada a uma hipocapnia imposta, para impedir o aumento da pressão intracraniana nas zonas em que seria patogênica.

Efeito Metabólico, Cicatrizante

    A síntese do colágeno pelos fibroblastos é um processo fundamental da cicatrização que é favorecida pela alternativa de períodos de hipoxia e hiperoxia, encontrados na OHB(17, 18, 19).

Indicações Clínicas

   Segundo a Undresea and Hyperbaric Medical Society) -AGUDAS - Intoxicação pelo monóxido de carbono, cianeto, fumaça e outros gases tóxicos. - Gangrena gasosa - Embolia gasosa - Doença descompressiva - Desordens vasculares periféricas agudas ( queimaduras, flebite, traumatismos agudos extensos ) - Infarto agudo do miocárdio e outras insuficiências coronarianas - Edema cerebral agudo - Edema cerebral devido a embolia cerebral, traumatismo crâniano e craniotomia - íleo paralítico - Necroses por radiação - Choque - Desordens severas e agudas hipoxias cerebrais - Obstrução aguda da artéria retiniana - Surdez súbita - Desordens severas da medula espinhal Crônicas - Neoplasia maligna em combinação com radioterapia ou quimioterapia - Desordens circulatórias periféricas com úlceras refratárias - Enxertos cutâneos - Paralesia motora seja como sequela tardia de ataque cerebrovascular, trauma ou craniotomia - Sequelas tardias de intoxicação por monóxido de carbono - Neuropatia medular - Síndrome compartimental - Osteomielite - Osteoradionecrose.

DR.LUCIANO STANCKA E SILVA

Referências

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10-HOHN D C - LEDHER R J - NADPH OXIDASE DEFICIENCY IN CHRONIC GRANULO MATOUS DISEASE J CLIN INVEST 1975 55 707-711.

11-CUMUTTE J T KIPNE S R S BABIOR B M DEFECT INPYRIDINE NUCLEOUDE DEPENDENT SUPEROXIDE PRODUCTION BY A PARTICULARE FRACTION OF THE GRANULOCYTES OF PATIENTS WITH CHRONIC GRANULOMATOUS DISEASE N ENGI J MED 1975 293 628-632.

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