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Bruno Alencastro / Agencia RBS

Um estudo divulgado por cientistas britânicos despejou combustível extra no já inflamado debate sobre o uso da aspirina como forma de prevenir doenças. Publicado na revista médica Annals of Oncology, na semana passada, o trabalho mostra que a ingestão diária de um comprimido de 75 mg de ácido acetilsalicílico reduz de forma significativa, no longo prazo, o risco de desenvolver alguns tipos de câncer.

Ao mesmo tempo, os pesquisadores da Universidade Queen Mary, de Londres, verificaram um aumento de úlceras no trato digestivo e de sangramentos severos, inclusive com possibilidade de morte. Para o coordenador do estudo, Jack Cuzick, os dados mostram que tomar uma aspirina por dia para evitar o câncer compensa os riscos. Para cada mil pessoas de 60 anos ou mais que ingerirem a droga ao longo de 10 anos, ele estima 16 óbitos a menos por câncer, uma morte a menos por ataque cardíaco e duas mortes a mais por sangramento interno.

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- Ingerir aspirina parece ser a melhor coisa para reduzir o câncer, depois de parar de fumar e combater a obesidade, e provavelmente é muito mais fácil de implementar. Eu tomo aspirina todas as noites como parte de um ritual - disse Cuzick, em entrevista ao jornal The Guardian.

A dificuldade é que, quando se fala em uso diário do medicamento, as consequências não dizem respeito apenas ao câncer. Durante décadas, a aspirina foi recomendada como forma de prevenir ataques cardíacos. Nos últimos meses, agências de saúde dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha desaconselharam o recurso indiscriminado dessa prática. Amparadas em uma série de estudos, destacaram que o uso traz mais riscos do que benefícios para quem não tem problemas cardíacos prévios e está associada a mortes por acidentes vasculares cerebrais (AVCs). Na dúvida, especialistas afirmam que médicos devem analisar caso a caso.

Prós - Razões para tomar diariamente:

1) Um estudo divulgado na semana passada pela Universidade Queen Mary, de Londres, concluiu que, em longo prazo, a ingestão diária de uma aspirina reduz o risco de desenvolver certos tipos de câncer. Em pacientes que tomam o comprimido por 10 anos, há uma redução na incidência de câncer de colo retal (35% a menos), de esôfago (30%), de estômago (30%), de próstata (10%) e de pulmão (5%). A ingestão diária seria indicada a pessoas de 50 a 65 anos.

2) No ano passado, uma outra pesquisa, na qual 59,8 mil mulheres foram acompanhadas por 12 anos, mostrou que aquelas com hábito de ingerir pelo menos duas aspirinas por semana tinham 21% menos chances de desenvolver melanomas. Outro estudo, de 2012, apurou queda de 16% no risco de morte por câncer entre parentes que tomaram por cinco anos.

3) O estudo britânico recém-apresentado detectou que 10 anos de consumo diário de aspirina reduz em 18% a quantidade de ataques cardíacos e em 5% o índice de mortes por esse motivo.

4) Em 2012, pesquisadores britânicos analisaram estudos feitos no Japão, na Europa e nos Estados Unidos. Concluíram que o consumo frequente de aspirina pode salvar a vida de homens que já tiveram um ataque do coração. A chance de um segundo ataque cai de 20% a 30%.

5) Segundo a Associação Norte-Americana de Coração, pacientes com risco anual superior a 1% de ter um primeiro ataque cardíaco - porque fumam, têm colesterol alto, apresentam sobrepeso ou sofrem de diabetes - podem se beneficiar do uso diário.

Contras - Razões para não tomar diariamente:

1) O estudo que comprovou redução na incidência de câncer em pessoas que tomam aspirina durante 10 anos mostrou também que esses indivíduos correm risco maior de sofrer sangramentos no estômago. Em pessoas com mais de 60 anos, esse risco é de 2,2% a 3,6% maior. Dos casos de sangramento, 5% são fatais. O perigo é mais comum em pessoas com a bactéria Helicobacter pylori.

2) Os tipos de câncer que a aspirina pode prevenir estão associados ao estilo de vida - como o cigarro, o álcool e a obesidade. Uma vida mais saudável poderia servir de estratégia preventiva, ao invés do consumo do comprimido todos os dias.

3) O uso prolongado do comprimido leva a mais mortes por acidente vascular cerebral (AVC), segundo o estudo britânico. O medicamento pode prevenir AVCs isquêmicos, por afinar o sangue. Mas agrava os AVCs hemorrágicos, causados por sangramento no cérebro. No geral, há 5% menos AVCs, mas 21% mais óbitos. Para pacientes com arritmia, o risco de AVC pode ser prevenido de forma mais eficaz e segura com novos medicamentos que afinam o sangue e impedem coágulos.

4) O abrangente estudo britânico de 2012, segundo o qual a aspirina pode salvar quem já teve um ataque cardíaco, concluiu também que o consumo frequente eleva em 30% o risco de sangramento gastrointestinal severo. Para cada 162 pessoas que tomam o remédio, um ataque cardíaco não fatal é evitado, mas dois casos graves de sangramento são provocados.

5) A FDA, agência americana que regula alimentos e remédios, analisou um pedido da Bayer para recomendar a ingestão de aspirina para prevenir ataques cardíacos. A agência concluiu que não há razão para pessoas sem histórico de doenças cardíacas usarem diariamente, mesmo com histórico na família. Nesses casos, os riscos são maiores do que os benefícios, diz a FDA.